terça-feira, 9 de junho de 2009

O Cordel Nordestino

O Cordel Nordestino
Resumo de parte da monografia do autor Luís Emanuel Cavalcanti
Escrito por poetas trovadores e gritado pelos mesmos nas feiras ensolaradas do Nordeste do Brasil, é exposto e pendurado aos montes nas barracas. Este é o Cordel, poesia popular, conto, epopéia que do século XIX chega aos nossos dias.
A produção em grande escala do cordel nordestino compreendeu o período de final do séc. XIX aos anos 30 do século passado. Essa foi a época de sua maior difusão, na qual a presença de poetas cantadores nas feiras livres no sertão do Nordeste brasileiro era frequente. Os cantadores de cordel, geralmente homens do povo, com pouca escolaridade, eram verdadeiros “artesãos das letras”. Laboriosos artistas, levavam muito a sério seu trabalho, em muitos casos eles mesmos produziam suas obras em prensas rudimentares.
Foi durante esse período que surgiu um célebre poeta de cordel, natural de Pombal na Paraíba, chamado: Leandro Gomes de Barros. Segundo o pesquisador Manuel Diegues Júnior, Leandro foi autor de mais de um milhar de folhetos. Pelo menos dois deles ficaram conhecidos Brasil a fora: O Cachorro dos Mortos e O Cavalo que Estercava Dinheiro, pois serviram de inspiração para a peça “O Auto da Compadecida”, do escritor paraibano Ariano Suassuna.
Leandro escrevia, imprimia e vendia os seus folhetos de cordel.
Da Paraíba eram os maiores cantadores de cordel, mas a capital do nordeste: Recife, o destino de todos. Foi para lá que se dirigiu João Martins de Athayde, também paraibano, Esse poeta foi um desbravador e industrializou, por assim dizer, os folhetos. Ele também foi o responsável pela consolidação e distribuição dos cordéis no Nordeste brasileiro por intermédio dos “agentes” nas décadas de 20 e 30 do século XX. Com essa “industrialização”, Athayde ajudou a padronizar o formato dos folhetos.
Acontece que antes dele, cada autor produzia suas obras em casa, de modo artesanal, razão de não haver à esta época um tamanho certo para o cordel. O formato que se conhece hoje foi conseqüência do empreendedor Athayde e os “modernos” equipamentos de sua gráfica. Os autores de folhetos acorriam de toda a região em busca dos rápidos serviços oferecidos na gráfica de Athayde. Assim, o formato foi se padronizando, chegando a ter esse que se encontra ainda hoje.

A Xilogravura
Frequentemente, na elaboração de um cordel, os autores requisitavam o trabalho de um outro artista popular: o xilógrafo - profissional indispensável na confecção das figuras tão típicas das capas dos folhetos. O serviço do xilógrafo persiste até hoje se mantendo a tradição. Mas encontrar profissionais que entalhem na madeira as tradicionais figuras não é tarefa fácil. Atualmente muitos desses artistas entalhadores envelheceram ou morreram sem deixar “herdeiros” para dar continuidade a sua arte.
José Soares da Silva, mais conhecido por Dila, com seu atelier no bairro Nossa Senhora das Graças na cidade de Caruaru, estado de Pernambuco, é um dos sobreviventes dessa arte. Dila já confeccionou xilogravuras para cordelistas importantes, entre eles Rodolfo Cavalcanti, poeta muito conhecido e já falecido. Rodolfo vendia seus cordéis no Mercado Modelo, na cidade de Salvador, nos anos sessenta e setenta.
Essas xilogravuras – o nome vem do grego "gravado na madeira" – tornaram-se emblemáticas e de extrema importância na venda dos folhetos. A clientela era atraída pelas figuras “carimbadas” nas capas com a tradicional tinta preta retratando a cena mais importante da história que iam comprar. Ainda hoje, passados mais de cem anos de vida do cordel, muita gente é atraída pela curiosa simplicidade dos traços e formas tão característicos.
O formato do cordel
As cores da capa dos cordéis parecem ter qualquer semiótica, por exemplo: os de capa cor-de-rosa são quase sempre de temas românticos, os de capa azul para temas gerais. Não existe nenhuma regra sobre as cores, mas observou-se que é frequente .
O tamanho dos folhetos de cordel tornou-se, após a padronização feita por Athayde, o que corresponde à quarta parte de uma folha de papel tamanho ofício; cada folha produzindo oito páginas com três a quatro estrofes em cada uma, não sendo uma regra, existem muitos com mais estrofes. O cordel sempre foi impresso com base na economia de material. Mesmo atualmente, o número de folhas se mantém: sempre de oito, dezesseis, vinte e quatro, multiplicando-se nessa seqüência.
No sertão nordestino daquele tempo, lugar de escassos recursos, o papel era uma preciosidade e a oferta dessa matéria-prima não era tão grande como em nossos dias.
Tal subsídio era de qualidade inferior, tipo papel- jornal; os folhetos tinham um preço bem acessível, alguns trocados, equivalente ao preço de um periódico simples de cidade de interior, nos nossos dias. Levava-se em conta que o público que o compraria, muitas vezes vinha com o dinheiro contado para a feira.
O cordel nas feiras concorria com gêneros de primeira necessidade. O cantador tinha que ser bom de goela, cantar alto seus poemas e chamar a atenção dos clientes.
Com uma concorrência grande e os outros “mascates” vendendo farinha, remédios do mato, banha de peixe-boi e tantos outros artigos, as feiras tornava-se uma verdadeira batalha de gritos e de sons cantados, pois cada um apregoava com afinco as suas mercadorias.
Fato curioso era a estratégia de venda dos cordelistas. Contavam ou cantavam as histórias, propositalmente, pela metade, no intuito de atiçar a curiosidade dos ouvintes, e quem quisesse saber o resto das mesmas teria de desembolsar algumas moedas, fruto de seu tão suado trabalho. Mas esse sacrifício nunca fora levado em conta pelos camponeses; comprar um cordel fazia parte de um ritual, acontecimento tão esperado pelos adultos e crianças: ir à feira.
Era importante para o povo da roça comprar esse “primitivo jornal”, por tratar-se de uma fonte de notícias da cidade e dos causos da região. Já no regresso ao sítio, o mesmo seria soletrado com dificuldade ou lido com devoção por alguém mais letrado, em volta do candeeiro, como relata Câmara Cascudo em seu livro: Vaqueiros e cantadores.
"As personagens do Cordel"

Esses artistas conheciam bem os macetes para atrair o público; suas histórias caiam no gosto dos sertanejos. Desta maneira, ao longo do tempo em que durou o auge do cordel, tornaram-se os verdadeiros mantenedores de uma tradição.
A condição de liberdade dos cordelistas em suas andanças entre cidades e arruados sertanejos lhes proporcionava muitas chances de tomar conhecimento de vasta gama de acontecimentos. Eles coletavam esses acontecimentos que seriam “cordelizados “ usando aqui um termo novo, para vendê-los , era esse seu trabalho .O produto dos cantadores equiparava-se às outras mercadorias oferecidas na feira. “Era o trabalho da fala”, como afirma: Antônio Arantes.
A preferência dos ouvintes por temas contados em versos não era exatamente questão de gosto poético. Tratava-se de necessidade mesmo, visto que no local onde o cordel se desenvolvia existia um enorme número de iletrados. A tradição oral se fazia necessária para ajudar na memorização. Mesmo sem saber ler, os sertanejos ouviam as histórias e graças aos versos e à musicalidade, gravavam as mesmas num ininterrupto filão epopeico.
Os cordelistas detinham o conhecimento de certos personagens épicos tradicionais como: Camonje, João Grilo, Bocage, Pedro Malasartes e tantos outros, os quais invariavelmente tinham incursões nas histórias contadas por eles. Essa prática exigia certo domínio e familiaridade com os temas, porque cada um desses lendários personagens aqui citados, representava determinadas características. Explica-se: Camões, sábio e aventureiro; Bocage: fanfarrão e mulherengo; João Grilo: cômico; e assim por diante. Os cordelistas “convocavam“, sempre que necessário, qualquer uma dessas personagens aos palcos de seus “cânticos da épica sertaneja”. Os leitores, por sua vez, conheciam bem as personagens com as quais se identificavam, num contexto vivido em comum.
O trânsito dessas personagens no imaginário do cordel mais a paisagem sertaneja, tão cheia de percalços com seus santos e demônios, eram velhos conhecidos desses artistas. Os compradores e ouvintes do cordel identificavam esses detalhes, folheto a folheto, numa história sem fim que só o povo do cordel compreendia, já que se identificava nela.
Vale registrar que em pesquisas realizadas no extremo sul da Bahia, entre as cidades de Porto Seguro e Itabuna, não foi encontrada uma difusão do cordel. A aproximação desta região com os estados do Sudeste, como Espírito Santo e Minas Gerais, fez com que a cultura propagada fosse a de lá e não a nordestina. Contudo, em Itabuna, um cordelista se fez presente, Minelvino Francisco Silva.

Fazendo-se uma arqueologia dos folhetos de cordel percebe-se que emerge dele certo traço caricatural. Os épicos de cavalaria e a da novelística ibérica trazida pelo colonizador foram sobrepostos; essas temáticas foram recriadas pelos cantadores na gesta do cangaço e nas lides do gado, dessa forma os heróis europeus cruzaram o Atlântico e transformaram-se em O valete Zé Garcia , Lampião e Antônio Silvinho. Um arremedo, criado pelo imaginário sertanejo, sobre o longínquo Portugal. As histórias da tradição lusitana, sendo recontadas oralmente por uma população de analfabetos, explicam o caráter cômico do cordel nordestino.
Por que chamá-lo "Cordel"
Até o início do estado novo, nos anos trinta, num passado relativamente próximo, o sertão nordestino (área que se estende desde o oeste de Pernambuco, norte da Bahia e sul do Ceará, região também conhecida como polígono da seca nordestino), permaneceu em relativo isolamento. Sem acesso por estradas, com um solo pobre para agricultura, ficou de fora dos avanços e das modernidades que aconteciam no sul e sudeste do Brasil. Desde a época da colonização, a população local manteve-se afastada, sem muita miscigenação,exceto a cabocla , vivendo numa espécie de redoma. Com terras pouco produtivas não houve demanda por escravos e menos ainda interesse de instalar-se, por parte dos imigrantes europeus do séc XIX, durante a grande imigração. Isso promoveu um relativo isolamento, preservando uma certa pureza da língua portuguesa e suas tradições. O fato foi confirmado por Câmara Cascudo, folclorista potiguar que nos anos cinquenta encontrou um correspondente de nosso folheto em Portugal, lá chamado de "cordel" por causa do costume dos autores populares portugueses exporem os mesmos pendurados em barbante ou cordão.
É a partir dos estudos de Câmara Cascudo que nossos folhetos, conhecidos até então como "folhetos de feira" ou "folhetos de banca", “ABC” receberam a denominação "Cordel", o mesmo nome dado em Portugal . Dessa maneira, cordel foi um nome genérico dado nos estudos acadêmicos. É algo recente, quando essa Literatura já declinava, passando para objeto de estudo.
O declínio
O fim do Cordel e de sua forma tão original veio de forma avassaladora. Vilões poderosos, utilizando-se das invenções de Guglielmo Marconi nas transmissões sem fios por ondas eletromagnéticas, iriam silenciar os trovadores e os menestréis. O rádio e depois a televisão levariam a melhor nessa luta ímpar. As estradas ampliariam irremediavelmente o mundo do cordel: as montanhas do sertão foram transpassadas, o sertanejo nordestino começava seu longo êxodo rumo à construção de Brasília e às grandes obras de São Paulo. Os temas do cordel foram profundamente alterados, já não se restringiam tão somente às fronteiras daquele "pequeno Portugal nordestino". As produções que seguiram foram profundamente influenciadas pelos temas urbanos. Nascia o Cordel "acontecimental" usando um termo do professor cearense Diatahy Bezerra de Menezes, registrando fatos históricos da atualidade. Por exemplo, o Cordel sobre a morte de Getúlio Vargas vendeu mais de setenta mil cópias em 48 horas, talvez um espasmo ou uma Fênix que renasce das cinzas, além fronteiras.
Hoje o cordel sobrevive apenas em exíguos redutos nordestinos como Juazeiro do Ceará, Caruaru , Campina Grande, Rio de Janeiro e no bairro Santo Amaro na cidade de São Paulo locais onde elegantes turistas afluem a ele para, em tradicionais barracas, escutar as antigas sagas ou novas criações urbanas, frutos da produção dos neo trovadores. É fácil também encontrá-lo em acervos nas bibliotecas e existem, até, duas conhecidas Academias de Letras de Cordel: uma em Caruaru e outra no Rio de Janeiro. - a segunda é presidida por Gonçalo Ferreira da Silva que muito contribui para preservação da cultura popular nordestina, e até na presente monografia forneceu material valioso para a sua execução.
É digno de nota que nossa literatura popular, dita cordel, nos últimos trinta anos vem despertando bastante interesse no meio acadêmico não só brasileiro, mas também no exterior. Em rápida pesquisa na internet se pode constatar inúmeras teses e livros sobre o tema como um importante trabalho do italiano: Silvano PELOSO: Medievo nel Sertão. Tradizione medievale europea e archetipi della litteratura populare del Nordeste del Brasile. Napoli: Liguori Editore, 1984.
Enfim, documentando mais de um século e testemunhando a manifestação popular, o jornal do povo em versos fez seu papel antes do rádio e sobrevive à era da internet.

2 comentários:

antonio disse...

conheço essa curva e´realmente muito perigosa! sou de Quipapa ja vi varias pessoas morrerem nesta ladeira .

antonio disse...

conheço essa curva e´realmente muito perigosa! sou de Quipapa ja vi varias pessoas morrerem nesta ladeira .