segunda-feira, 22 de junho de 2009

A TRISTE HISTÓRIA DE UMA VITIMA DA PALMATÓRIA

A TRISTE HISTÓRIA DE UMA VITIMA DA PALMATÓRIA
Autor: Luis Emanuel Cavalcanti

Aqui começo a contar
Uma pequena historinha
Que me contou uma senhora
Chamada dona Lurdinha
E apesar de ser vovó
Ainda cuida da cozinha

Um dia lhe perguntei
Porque ela não estudou
O que a mulher respondeu
Foi terrível e me assustou
Apanhou da professora
Pra escola não voltou

Disse-me que nunca foi
Uma menina levada
Mas às vezes se entretia
E na escola atrasada
A professora batia
E lhe deixava ajoelhada

Era o tempo do governo
Do Dr. Getúlio Vargas
A época da ditadura
De palmatórias amargas
Não tinha uma só criança
Que escapasse dessas larvas

Até sangue dos alunos
Nessa era se tirava
Todo mundo consentia
Quase ninguém se importava
Nos idos anos 40
A lei do cão governava

A velhinha foi falando
Com saudades dos caminhos
Quando para escola ia
Com o seu bom amiguinho
Pedrinho, este o nome dele
Que era também seu vizinho

Quando chegava atrasada
Na sala podia entrar
Mas aquilo era somente
Para o sermão escutar
Às vezes a professora
Botava era pra quebrar


Um dia a ditadora
Na aula de geografia
Perguntou para a Lurdinha
Pra ver se ela sabia
O nome dos continentes
Lurdinha nada dizia

Se arretou a professora
Botou Lurdinha ajoelhada
Torturou a pobrezinha
Parecia endiabrada
Depois virou-se pra turma
Pedindo a tabuada

Martirizada a menina
Rezava à virgem Maria
Pedia pra que ajudasse
Pois o seu joelho doía
E estava envergonhada
Porque toda classe via

Era cinco vezes quatro
A classe se apavorava
Mas Deus logo os acudia
E todo mundo acertava
Porque Lurdinha ajoelhada
A eles exemplo dava

Por fim o som da cigarra
E logo a classe sumiu
A mestra disse levanta
Lourdinha no chão caiu
E a professora malvada
Nem sequer lhe acudiu

E só lhe disse uma coisa
A lição de casa traga
Com o nome dos continentes
Não me dê resposta vaga
Não precisava nem dizer
Que a palmatória era praga

Assim por aquele dia
Do inferno ela se salvava
Foi andando cabisbaixa
E Pedrinho lhe aguardava
Lhe deu logo os parabéns
Porque ela não se entregava

E foram pelo caminho
Ele apoiando a Lurdinha
Levou ela até em casa
Ela ficou alegrinha
Pedrinho nunca deixava
Ela se sentir sozinha

Quando foi entrando em casa
A mãe foi logo dizendo
Eu já conheço essa cara
O que que andas fazendo?
Corre logo pra cozinha
Que o feijão está cozendo


Vá buscar água pra casa
Quando aprontar o almoço
Vamos ver se não esquecesses
De voltar logo do poço
E fazer bem a lição
Para ficar um colosso

Quando foi anoitecendo
Ela da lição lembrou
Procurou nos livros velhos
Mas em nenhum encontrou
Os continentes, com medo
Acho até que ela chorou

Quem iria lhe ajudar
Ninguém ali estudava
O sujeito nem sabia
Onde a Paraíba estava
Imagina o que aquela
Estudante procurava

O anoitecer do sertão
Escurece dando medo
Todo povo sertanejo
Vai pra cama muito cedo
Não da pro cabra estudar
Pois não enxerga o enredo

E quem sabe o que Lurdinha
Em sua cama pensava
Talvez ela até achou
Que a mestra perdoava
E pensando assim dormiu
Porque logo o sol raiava


Sete horas da manhã
Pedrinho lhe esperava
Lurdinha olhava pra ele
E a cabeça baixava
Era uma menina santa
Acho que os anjos amparava

Eles chegaram à aula
Pontualmente na hora
A professora aguardava
Ela dormia na escola
Eles olhavam pra ela
E já queriam ir embora

Ela tinha roupa escura
O cabelo preso inteiro
Era bem alta e gorda
Tinha uma voz de braseiro
Como alguém que foi criada
No mato com cangaceiro

Logo todos se sentaram
E fizeram uma oração
Ela virou pra Lurdinha
Vamos fazer argüição
Lurdinha nada sabia
Não estudou a lição

E já foi se preparando
A mão já vinha estirada
A professora contava
Os bolos desesperada
E os meninos observavam
Lurdinha sem falar nada

O agressor sempre deseja
Ver o agredido apelar
Mas a franzina menina
Não pedia pr parar
A bruaca com mais raiva
Terminava indo chorar

E acertou a menina
Na sua frágil cabecinha
Lurdinha soltou-se dela
E foi pra casa sozinha
Olhem bem que essa menina
Nem dez anos ela tinha


Daquele momento em diante
Encolheu-se numa cama
E foi numa sexta-feira
Por todo fim de semana
A mãe achou que era gripe
Mas Lourdinha não reclama

Só na Segunda bem cedo
Pedrinho deu pela falta
E foi saber da mãe dela
Essa velha quase infarta
Porque a menina estava
Com uma febre bem alta

Lá no seu cantinho só
Com a febre que ela tinha
O que agora lembrava
Uma baleada rolinha
Pedrinho a mãe dela disse
Quase que matam Lurdinha

A mãe pegou a menina
E botou logo no braço
Só assim que reparou
Na cabeça dela um traço
E para o médico a levou
Perguntando o que é que eu faço?

O doutor disse meu Deus
Isso não tem condição
Quem bateu nessa menina
Parece sem coração
Quando é que vai acabar
Com tão grande aberração

A mãe disse seu Doutor
Professor é igual um pai
Se ela não quer mais escola
A hora que quiser sai
Mais uma coisa ela sabe
É pra roça que ela vai

Desse jeito aconteceu
Pra escola não voltou
A mãe lhe botou na roça
Com treze anos casou
Porque desse jeito ela
O ritmo não segurou


É certo que passou tempo
Desde esta atrocidade
Alguns professores tinham
Esse instinto de maldade
Comprometendo o futuro
Trazendo infelicidade

Porque ela ainda sente
A cabeça lhe doer
E quando força sua mente
Para uma frase ler
Parece que de repente
Vê o mundo escurecer

Eu acabei de contar
A lamentável história
Que não só ficou marcada
Lá num canto da memória
Lurdinha não teve chance
Por causa da palmatória