quarta-feira, 19 de novembro de 2008

A tragédia da Cova da Moça - um Otelo Nordestino


“...um homem dominado
pelo ciúme
cuja a mão, como a de
um índio vil, atirou
longe uma pérola
mais preciosa do que
toda a sua tribo...”


Otelo. quinto ato, cena II
William Shakespeare,


1
A tragédia de uma moça
Estes versos vão contar
Quando foi que aconteceu
Poucos sabem precisar
Esta cidade estremece
Somente de ouvir falar

2
Pra narrar esta história
Cada um tem sua maneira
Já que o povo inventou tanto
Este Cordel segue à esteira
Pra ver se dá pra contar
A história da moça inteira

3
Pode ser até um jeito
Para história registrar
Pois se um dia em Porto Seguro
Shakespeare viesse aportar
A tragédia desta moça
Para Inglaterra ia levar


4
Nós sempre nos esquecemos
Das desordens dessa vida
Só que o caso desta moça
Não cicatrizou a ferida
No inconsciente coletivo
A lembrança está bem vívida

5
Desta mártir inocente
Sempre o povo vai lembrar
Um século e meio se passou
Mas você pode perguntar
Aonde ela foi enterrada
Qualquer um sabe o lugar

6
Enterraram ela no mato
Bem longe do campo santo
Este crime passional
Até hoje causa espanto
Foi acusada de adultério
Jogaram em qualquer canto


7
Vamos tentar entender
Como ela foi se enredar
E o porquê desta infeliz
Com um monstro se casar
Isto não foi obra de Deus
Mas o cão que foi atentar

8
Ela casou com um juiz
Que iam transferir para cá
A nomeação tinha saído
Mas não deu pra ele viajar
Só ela veio da capital
Sem lua-de-mel consumar

9
Ela encarou uma barca
Que fazia linha pra cá
A coitada quase morre
De tanto o mar balançar
E só ficou sossegada
Quando terra foi avistar


10
Estava apreciando a vista
Só que a barca sacudia
Era a entrada da barra
A Igreja da Pena via
Seu marido tinha dito
Que do mar ela veria

11
Quando já estava em terra
Veio um cabra lhe ajudar
Era gente do doutor
Começou a lhe olhar
A moça rezou o credo
Começou a se arrepiar

12
Ele foi pegando as malas
Fazendo muito elogio
Seu jeito era de ruim
A moça logo sentiu
Teve mais uma impressão
Que lhe deu mais arrepio


13
Naquele tempo antigo
Não misturavam sentido
Ninguém sabia direito
O que era um ser atrevido
A moça foi lhe tratando
E lhe dando logo ouvido

14
O bicho era debochado
Ela pediu pra ele parar
Pois estava envergonhada
Ele começou a chatear
Imagine que este homem
Disse você é de arrasar

15
Ela lhe chama de atrevido
Que a respeite por favor
Pois ela estava casada
Seu marido era doutor
E já estava cansada
De seu olhar constrangedor


16
Deus ajudou chegou em casa
Encontrou limpa e perfumada
Uma mucama ajeitou
Pra dama tão esperada
A moça vai pra janela
Ficou muito deslumbrada

17
A casa dava para um rio
Era muito confortável
Com as árvores do mangue
O lugar era agradável
As folhas eram tão verdes
De um frescor inigualável

18
Naquele tempo uma viagem
Durava toda uma vida
As coisas eram tão longe
Que hoje ninguém acredita
Pois se demora um minuto
O povo logo se irrita


19
Cansada dessa jornada
A moça vai se banhar
Nas mornas águas do rio
Ela tenta relaxar
A coitada nem percebe
Que estavam a lhe espiar

20
Tinha um cara no mangue
Sem que ninguém o notasse
Não tirava o olho dela
Parecia um paparazzi
Admirava o lindo corpo
Como se fotografasse

21
A moça não pressentiu
Mas foi pra casa almoçar
A mucama traz uma toalha
Pra ela poder se enxugar
E ela não parava de dizer
O quanto era lindo o lugar


22
Era época de Dom Pedro
Não existia nem motor
Era tudo pelo vento
E tinha que estar favor
A moça começou a bordar
Pra esperar seu doutor

23
Só tomou uma precaução
Prevenindo sua empregada
Que enquanto o juiz não chegasse
Para evitar fofocada
Não deixasse nenhum homem
Adentrar na sua morada

24
A moça não exagerou
Por ter tanta precaução
Ela viu pela treliça
Aquele mesmo cidadão
Que lhe ajudou com as malas
Fazendo tanta insinuação


25
E teve um dia que o pervertido
Queria limpar seu coqueiro
Ela respondeu da janela
Decidida e bem ligeiro
Aqui dentro desta casa
Homem não vai no terreiro

26
Meu marido está viajando
E eu não gosto de piseiro
Quando ele vier para casa
Você pode sair limpando
Se ele der consentimento
Tudo quanto é coqueiro

27
Ele abanou o chapéu
Deu um sorriso malicioso
Ele pensava que era bom
Se achava muito gostoso
Mas a impressão que dava
Era de pavor e de nojo


28
A moça botou a mantilha
E foi fazer uma oração
A mucama lhe traz água
Para aliviar a pressão
A moça ficou ajoelhada
Até passar sua aflição

29
Quando fechou o oratório
Seu rosto santificado
Lembrava o de Santa Rita
De tanto ela ter rezado
A mucama se aproxima
Pra lhe dar um resultado

30
A mucama pesquisou
Sobre aquele malfeitor
Vejam o que ela descobriu
Ele era irmão do doutor
Por parte de pai ela disse
Que uma amiga lhe falou


31
Valha-me Deus disse a moça
Este homem é meu cunhado
Vai ver que o doutor nem sabe
Que o irmão dele é tarado
Porque se soubesse disso
Deserdava este atentado

32
Os dias passaram tranqüilos
Ele não lhe importunou
A moça fez tanto crochê
Que o tempo logo passou
Um dia bateram na porta
Era o doutor que chegou

33
Foi virando a maçaneta
Não esperou ninguém abrir
Trazia uma cara tão feia
Parecia mais um zumbi
A moça sorriu pra ele
Pra tentar lhe distrair


34
A visão assustou a moça
Seu amor se transformou
Ela lhe manda tomar banho
Pra melhorar o calor
Mas ele diz que está limpo
A moça abraça o doutor

35
Que a recusa e lhe diz
Eu não quero me sujar
Pois numa mulher adúltera
Eu não quero nem tocar
A moça se ajoelhou
Começou logo a rezar

36
A coitada imaginou
Que era efeito da viagem
Vinte dias numa barca
O povo via até miragem
Ela lhe pede pra sentar
Pra recompor a coragem


37
Chorando dizia ao doutor
Que fosse guardar a bagagem
Pois também passou por isto
Era tudo uma bobagem
E ele ficaria logo bom
Se tomasse beberagem

38
A moça grita por chá
Pra tranqüilizar seu amado
Mas ele dizia que algo ali
Tinha que ser comprovado
Foi arrancando roupa dela
Parecia mais um tarado

39
Chamava-lhe de traidora
Que ele tinha uma missiva
Comprovando que a coitada
Virou mulher permissiva
E só tinha cara de anjo
Mas era cruel e nociva


40
Ela diz que é delírio
Porque sempre foi católica
Temente dos mandamentos
E a história era estrambólica
E na barca que ele veio
Tinha era bebida alcoólica

41
O doutor era moreno
Homem alto e presunçoso
Parecia um estrangeiro
De um lugar bem perigoso
Perdido sem Jesus Cristo
Estéril e pedregoso

42
A moça ficou sem roupa
Começa a investigação
Num sinal particular
O doutor presta atenção
Pois ele não conhecia
Casou com procuração


43
Tira a tal carta do bolso
Prossegue com o terror
Compara com um desenho
Que um estranho lhe mandou
Em carta sem remetente
O doutor acreditou

44
O sinal era na coxa
Num lugar bem escondido
A pessoa pra ver aquilo
Só mesmo sendo o marido
O ciúme tomou-lhe conta
O cabra estava possuído

45
Quebrou todos os vidros
As louças do casamento
Os bordados primorosos
Voaram para o calçamento
Pelos cabelos lhe arrastou
Da sala até o aposento


46
Aos gritos falava da carta
Da dúvida sobre o autor
A criada escuta os insultos
Trouxe o chá para o doutor
Mas ele diz que se afaste
E lhe agride com furor

47
Naquela época um criado
Não se metia com patrão
Era tempo dos escravos
Quem é que saia do rincão
Mas essa boa mucama
Não deixou barato não

48
Foi pra o fundo do quintal
Pra colher uns vegetais
Fez logo uma fogueira
Cantou hinos ancestrais
Clamou pela proteção
De todos seus Orixás


49
A mucama era vidente
E também lia pensamento
Enquanto subia a fumaça
Fazia um encantamento
Pra saber quem acabou
Com aquele casamento

50
Teve a visão de sua patroa
Vestida só com anágua
Tomando banho no rio
Se revigorava na água
E o irmão do juiz desenhando
Com a boca cheia d’ água

51
Ela desperta do transe
Corre pra salvar sua dama
Mas encontra ela estendida
Já morta em cima da cama
E o assassino a seu lado
Tinha enforcado sua ama


52
Vestida de muita coragem
Depois daquele ritual
A mucama enfrenta o juiz
Chamou-lhe de irracional
Matou a mais pura criatura
O ser mais angelical

53
Gritava que ela era séria
E toda aquela armação
Tinha sido planejada
Pelo seu covarde irmão
O monstro mais invejoso
A imagem da perdição

54
Eis que o irmão do juiz
Estava chegando e escutou
A mucama descobriu
E falava pro doutor
Ele voou pra cima dela
Com um punhal lhe furou


55
Mas o juiz tenta salvá-la
Das mãos daquele bastardo
E com um tiro certeiro
Derrubou o desgraçado
Ele não soltou a mucama
Morreram os dois agarrado

56
Os vizinhos se assustaram
Foram chamar o ouvidor
Era o chefe no momento
Veio ver aquele horror
O juiz deitado com a moça
Dizendo matei meu amor

57
Estava com ar de doido
Ele queria se matar
Ficou pouco tempo na vila
O Estado mandou exilar
E até hoje ninguém sabe
Aonde é que ele foi parar

58
As três mortes no quarto
Poder-se-ia comparar
Com a tragédia de Otelo
Quem já leu vai se lembrar
O caso ficou tão enredado
Só Shakespeare da pra explicar


segunda-feira, 17 de novembro de 2008


A HISTÓRIA DE CARMINHA E SAMUEL

1

Só se luta nessa vida

Depois os filhos crescem

O que nos espera é a morte

As vistas escurecem

Ficam dois velhos em casa

Pouco a pouco emudecem

2

E ninguém fala mais nada

Se jogam lá num sofá

Vai tudo se acomodando

Esperando a morte chegar

Nem sabem se está perto

Já começam a esperar

3

Numa situação assim

Carminha contou que vivia

Trancada com seu marido

Que só Deus acudia

Pois até pra ir ao banco

Era alguém pra ela ia

4

Nem comida mais fazia

O fogão era brilhando

Os dois assim arreados

Iam se mumificando

Às vezes um marmitex

E que estava lhes salvando

5

A velha disse que um dia

Num surto de impaciência

Olhou pro velho e pensou

Pra que na vida decência

Temos dinheiro pra nada

Estou perdendo a paciência

6

Se esse troço velho

Se for do mundo primeiro

Juro que eu corro no banco

E rapo todo o dinheiro

Vou viver o que me resta

Conhecer o mundo inteiro

7

Só vou deixar reservado

O dinheiro do caixão

Deus me livre de mais velho

Só vou querer garotão

Pra torrar todo dinheiro

E viver com emoção

8

Parece que foi macumba

O velho logo sucumbiu

Nem sentava mais no sofá

Por causa do estado febril

Não passou uma semana

Queimou o resto do pavio

9

Quarenta e cinco anos

Durou esse casamento

Mas temos que admitir

Aquilo já era tormento

E esse povo vivia junto

Por causa dum juramento

10

Enterraram logo velho

Ela voltou pra sua morada

Por dentro estava contente

Iria dormir sossegada

Os filhos iam lhe acompanhar

Mais ela disse que nada

11

Vocês fiquem sossegados

Se é por causa de fantasma

Ele já ficou enterrado

Acabou-se crise de asma

Me acordando de madrugada

Pra ir atrás de cataplasma

12

Os filhos se entre olharam

Não entenderam nada não

Disseram ela melhora

Passou por muita pressão

Mais eles se enganaram

A velha não mudou não

13

No outro dia amanheceu

Bem disposta e descansada

Separou todo dinheiro

E saiu no mundo largada

Nem deixou o do caixão

Ela saiu foi disparada

14

E logo no primeiro dia

Deu um desejo realizou

Foi no cinema ver Zorro

A velhinha se empolgou

Passou numa loja chique

E roupa nova ela comprou

15

Botou batom vermelho

Parecia bem mais nova

Hospedou-se num hotel

Toda linda e cheirosa

De noite pediu champanhe

Estava mesmo gloriosa

16

A gastança começou

Era rica de montão

Gorjeta sempre incluída

A coroa fazia questão

O tratamento de rainha

Lhe dava satisfação

17

Vamos deixá-la relaxando

Na sua cama acolchoada

Planejando suas aventuras

E ver como estão os filhos

Pois eles não tinham pista

Onde enfiou-se esta danada

18

Estava todo muito doido

Até na polícia tinham ido

Já fazia alguns dias

Que a velha tinha partido

E a preocupação maior era

Que a grana tinha sumido

19

Carminha tinha retrato

Em tudo quanto é jornal

E seu rostinho estampado

Causou comoção geral

Agora ela era importante

Por causa do capital

20

Achem nossa mãe querida

Daremos gratificação

Tem que tomar remédio

Sofre muito da pressão

Seus filhos estão tristes

Passando por aflição

21

No anuncio a foto de dela

Com uma carinha de vovó

Colada no ponto de ônibus

O povo lia e tinha dó

Mais ninguém dava noticia

A velhinha virou pó

22

Mas era pó de maquiagem

Estava muito mudada

Não vestia mais vestidão

Agora era legge colada

Um dia ela viu sua foto

E deu muita gargalhada

23

Quem lhe reconheceria

Ainda mais com Samuel

Um garçom simpático

Que ela conheceu no hotel

Só viviam de mãos dadas

A coroa estava no céu

24

Um dia no ponto de ônibus

Samuel olhou pra tal foto

E disse para Carminha

Que velha tão amarela

Carminha disse é mesmo

Eu estou até com pena dela

25

O garçom nem desconfiou

Nada daquela gracinha

Estava mesmo mudada

A danada da Carminha

O que o dinheiro não faz

Ela virou uma cocotinha

26

Mais ela podia ser pega

Facilitar não convinha

Ela disse pra Samuel

Que tal Porto de Galinha

Ele disse boa idéia

E rodopiou a velhinha

27

Da Bahia a Porto de Galinha

É chão que nem o cão

Foram de São Geraldo

Ela não entrava em avião

Dois dias sentados num banco

Deu pra falar um montão

28

Falou das doenças do velho

E o pijama azul desbotado

Da barba de presidiário

E o olhão arregalado

Dos gritos que ele dava

Acordando apavorado

29

Falou também dos filhos

Casal de praga que tinha

Eles nunca visitavam

A pobre vivia sozinha

Falando com as paredes

O velho só tosse tinha

30

Aí o rapaz lhe abraçou

Deu lhe um beijo apaixonado

Prometeu ficar com ela

Nunca sair do seu lado

Pois até lhe conhecer

Também vivia aperreado

31

Ficou sem mãe muito cedo

E nos vinte um ano de idade

O seu pobre coração

Era morada da saudade

Sofria muito nesse mundo

Passando dificuldade

32

Carminha quase chorando

Disse muito emocionada

Que não lhe daria filho

Por estar muito passada

E Samuel só lhe disse

Cuide de mim e mais nada

33

Chegaram em Pernambuco

Compraram um bangalô

Era bem perto do mar

Um belo ninho de amor

Carminha se bronzeava

E no cabelo botava flor

34

Samuel lhe sussurrava

Belas frases de amor

Ninguém falava em idade

Pois era grande o furor

Carminha se estremecia

Com um fogo abrasador

35

Mas depois de algum tempo

E ajuda de uns detetives

Acharam o lar deles dois

Aqueles filhos horríveis

Vinham atrás do dinheiro

Eles eram mesmo incríveis

36

Samuel foi recebê-los

Com uma aliança no dedo

E disse pros filhos dela

Casei com ela em segredo

Carminha agora está salva

E nunca mais terá medo

37

Vocês não lhe valorizavam

Por mim será bem tratada

Já aplicamos o dinheiro

Ela está bem remoçada

Agora querem sua mãe

Ninguém vai levar nada

38

O filho de Carminha

Investiu contra Samuel

Foi lhe dando logo uns socos

O desfecho foi cruel

Carminha entrou no meio

Branca que nem papel

39

Tremia que nem vara verde

Gritou por Nossa Senhora

Vão matar Samuel

Salvá-me dessa hora

Ele me trouxe a felicidade

O quê que eu faça agora

40

Ela pegou o telefone

E chamou 190

A polícia encostou

O caso pareceu serio

Pois chegaram dando tiro

Sem ter nenhum critério

41

A Polícia pernambucana

A Carminha assustou

Foram tão exagerados

Que a coitada enfartou

Um soldado gritou pro outro

Pedindo um desfibrilador

42

E o povo foi se afastando

Pra Carminha respirar

Daí contaram até três

E foram lhe desfibrilar

Carminha levou um sopapo

Começou logo a falar

43

Queria saber de Samuel

Tudo estava a desabar

Achava que ele morreu

Mas a filha veio acalmar

Disse mãe ele levou um tiro

Só vai ter que internar

44

A velha perguntou

E o teu irmão como tá

A filha disse pra velha

Ele não pôde escapar

Está crivado de balas

Foi à polícia enfrentar

45

Carminha teve outra crise

Ela começou a delirar

Dizia que coisas terríveis

A gente podia conversar

Por que nos descobriam

Só veio confusão pra cá

46

O filho morto no chão

Samuel na espinha baleado

Ela estava quase morta

Lhe amparava um soldado

E a causa de tudo isso

Um povo descontrolado

47

Continuava delirando

Primeiro a gente raciocina

Não vai inchado como um sapo

E pulando logo pra cima

Se se pensasse assim

Nunca ia ter chacina

48

Um médico apareceu

Carminha parou de delirar

Pois ele deu-lhe calmante

Pra ela parar de falar

Botou Samuel numa maca

E foi todo se internar

49

A filha queria ir junto

Mas Carminha e Samuel

A velha disse Deus me livre

Saia daqui “go to hell”

Estou livre de vocês

E levantou as mãos pro céu

50

A ambulância deu partida

Com destino ao hospital

Uma enfermeira acompanhou

Pra tranqüilizar o casal

Acabou tudo bem

Este amor é imortal

Garvidez na Adolescência



1

Este cordel vai contar

A história de Geoconda

Garota meiga e querida

Que foi levada pela onda

É uma coisa complicada

Que a barriga arredonda

2

Geoconda era normal

Ia pra escola com alegria

Brincava com seus amigos

Era tanta harmonia

Oh Menina estudiosa

Muita coisa ela sabia

3

Um dia a professora disse

Geoconda você vai bem

Em quase toda matéria

Está com a média cem

Faça tudo direitinho

Que você vai muito além

4

Estamos na 8ª série

Depois é segundo grau

Você só tem 13 anos

Está tudo bem normal

Nossa senhora te ajude

E o pai celestial

5

A estudante emocionada

A professora abraçou

Seus colegas aplaudiram

A classe se emocionou

Era só mais alguns meses

E o ano se acabou

6

Geoconda foi se sentar

Pra aula dar seguimento

Quando arrastou a cadeira

Para ela ir tomando assento

Se escutou um forte barulho

Que causou constrangimento

7

Era a farda de Geoconda

Que rasgava o cosimento

Escondendo a gravidez

Ai meu deus que tormento

A professora pediu calma

Muita calma no momento

8

Disse pro resto da turma

Vira outra professora

Pois vou levar Geoconda

Pra falar com a diretora

Se a gente demorar muito

O resto da roupa estoura

9

Pegou na mão da menina

Pelo corredor dizia

Apertaste tanto a roupa

Com mais tempo tu morria

A professora perguntou

Se a mãe dela sabia

10

Mas em estado de choque

Geoconda nada dizia

E foram as duas chorando

Até a diretoria

A diretora foi dizendo

Ai meu Deus que agonia

11

Esses meninos de hoje

É tudo sem paciência

Com treze anos de idade

Acabam com a adolescência

Eu acho que hoje em dia

É chato ter inocência

12

O sermão foi muito longo

Demorou pra terminar

Se a gente for contar tudo

O cordel vai se alongar

Vamos logo pros finalmente

Pois o tempo vai passar

13

E então disse a diretora

Se os pais dela não sabem

Encarrego á professora

De levar esta mensagem

Sua missão ela é difícil

Mas Jesus lhe dá coragem

14

Vai ser bem desagradável

Pra Luzia e seu Zezinho

São os pais desta garota

Moradores do Campinho

Já olhei na ficha dela

O endereço está certinho

15

Geoconda cabisbaixa

Saiu da secretaria

Estava envergonhada

Não sabia o que fazia

Sua mãe ia ter era um troço

Coitadinha só tremia

16

Disse tu tas gorda filha

O que foi que tu fizeste

Chega assim toda rasgada

Faz regime que emagrece

A filha disse pra mãe

Se eu falar tu enlouquece

17

Então tu tas é buchuda

Daquele fio duma peste

Por isso eu tava notando

Que sempre que escurece

Tu larga a lição de casa

E o morro abaixo desce

18

Pras bandas da Beija -flor

Pra se encontrar com Alex

Cabra safado quando anda

A cueca dele aparece

Onde tas com a cabeça

Aquilo nem homem parece

19

Ele só tem quinze anos

E vai sobrá é para eu

Tu num frita nem um ovo

Geoconda tu enlouqueceu

Quando Zezinho chegar

Ele vai te dar o teu

20

Ai meu Deus me acuda

Pobrezinho do teu pai

Trabalhando na pescaria

Pra ganhar vinte reai

Agora tamo perdido

O que é que nos faz

21

A professora notou

Que a escola ali era pouca

A mãe falava tanto

Que a voz já tava rouca

E acabou confessando

Que vivia lavando roupa

22

E nunca sobrava tempo

Para ela ver o andamento

Da educação dos meninos

Disse com acanhamento

Tenho parcela de culpa

No triste acontecimento

23

A professora virou as costas

E foi pra casa depressiva

Pesando em achar um jeito

Encontrar uma saída

Pois tinha muita menina

Que ia tomando iniciativa

24

Para trás ficou a família

E o abacaxi para descascar

A professora sabia

Ela não ia mais estudar

Pelo menos é o que diz

A estatística escolar

25

Quando dá noticia

Da grande evasão que se dá

Pois adolescente que engravida

Dificilmente volta a estudar

Tem que cuidar do menino

Até ele poder andar

26

Muitas garotas passam

Por momentos de amargar

Trabalham em subempregos

Pro rebento sustentar

Já que na maioria dos casos

O pai nem quer se importar

27

Os médicos também falam

Que a gravidez precoce

Mata muita adolescente

A bacia não tem suporte

E a sociedade nem liga

Pra elas o nariz torce

28

Sem preparo psicológico

Em nosso mundo industrial

Ficam fora do padrão

Da sociedade atual

E vão engrossar as filas

Da assistência social

29

Nas famílias de baixa renda

Vira saco de pancada

Em muitos casos as coitadas

Pra rua ela é mandada

Porta aberta para as drogas

Prostituição e mais nada

30

Aborto clandestino

Em pesquisa documentada

Encabeça a lista de óbitos

A professora arrepiada

Rezou logo um pai nosso

Pra sentir-se aliviada

31

Prometeu fazer uns versos

Pra conscientizar a moçada

Sobre tudo que acontece

Com mocinha desavisada

Que vai logo pros finalmente

E se entrega pro camarada

32

Abram seus olhos garotas

E não caíam na besteira

Pois vacilar com coisa séria

Compromete a vida inteira

Esse negocio de engravidar

Não é só uma brincadeira

33

E as garotas serão

Prejudicado demais

Nossa sociedade é assim

Rapaz é sempre rapaz

Parece até que ter filhos

Mostra que ele é capaz